Boas práticas de governança corporativa para empresas familiares
É muito comum nos depararmos com empresas familiares no nosso trabalho na advocacia empresarial. Empresários constroem bons empreendimentos, estabelecem uma cultura forte e adquirem competências que no futuro serão repassadas para os sucessores darem sequência às atividades.
Estas sociedades formadas por parentes – pais, filhos, avós, irmãos, sobrinhos, primos e tios – são classificadas como empresas familiares. Por conta desta característica, surgem facilidades e obstáculos que devem ser explorados e enfrentados pelos sócios para caminharem com sustentabilidade no mercado competitivo.
A governança corporativa é uma necessidade de qualquer empresa pois define melhor papéis, regras e processos. As boas práticas aplicam-se a toda organização, independentemente de porte, natureza jurídica ou tipo de controle, sendo alguns de seus pilares a transparência, a prestação de contas e a equidade.
A implementação da governança familiar ajuda a garantir a proteção de ativos, a preservação da imagem da empresa e a estabilidade na relação com as principais partes interessadas como os sócios, os familiares, os investidores, os administradores, os funcionários, os fornecedores e os clientes.
Seu objetivo principal é dar qualidade na tomada de decisões da empresa, por processos bem definidos, auxiliando na mitigação de conflitos de interesses e criando um ambiente onde o negócio possa enfim prosperar.
Pensando nisso, elaboramos este artigo com breves considerações sobre as melhores práticas de governança corporativa para empresas familiares.
Dinâmica das empresas familiares
Em primeiro lugar, observemos o cenário usualmente encontrado dentro de uma empresa familiar. Podemos separar três perfis participantes na estrutura da corporação que podem coincidir, ou não, sendo elas:
- os proprietários;
- os gestores; e
- os familiares.
Confira o quadro:
Naturalmente, cada um desses perfis é importante e tem seus interesses e demandas bem definidas. No entanto, é imprescindível que todos se envolvam no objetivo comum de alcançar o sucesso dos negócios e da família empresária.
Cumpre notar que há papéis que são acumulados por membros, devendo estes terem o entendimento de que representam e ocupam um espaço duplo ou triplo, selecionando apropriadamente cada uma de suas atribuições com a ocasião adequada.
Pilares da boa governança corporativa
Importante dizer que não existe um contrato ou mecanismo padrão de implementação de governança corporativa. Existem vários instrumentos disponíveis, que devem ser aplicados de acordo com a necessidade de cada negócio e cada família.
No entanto, existem princípios básicos que orientam essa estrutura. Enumeramos abaixo os pilares da boa governança.
Comunicação e transparência
Qualquer método de governança pressupõe protocolos de comunicação e transparência. Criar rotinas e hábitos periódicos de troca e acesso a informações contribui para estreitar os laços familiares, estimula a confiança e integra os membros do grupo em torno do objetivo empresarial.
Portanto, é importante definir fóruns adequados para cada esfera da empresa. A família deve possuir seu espaço de debate, enquanto a sociedade terá suas reuniões gerenciais, cada um respeitando as atribuições e alçadas de seus participantes.
Meritocracia
Criar critérios com base no mérito para contratações, eleições, promoções, concessão de aumentos e demissões são relevantes em sociedades familiares, sobretudo para que conflitos de interesses e comportamentos paternalistas não se proliferem. Damos destaque a alguns pontos sensíveis:
- Quando e como a empresa pode contratar familiares e/ou cônjuges;
- Qual a qualificação prévia exigida e para quais funções;
- Como será o processo de contratação/eleição e quem serão os responsáveis;
- Como e quem conduzirá a política de remuneração, benefícios e promoção;
- Quais os critérios para um eventual desligamento da empresa;
- Como, quando e quem irá selecionar futuros líderes;
- Como preparar e motivar os jovens a ingressar na empresa familiar; e
- Idade e condições de saída da empresa.
Proteção jurídica da família
Existem instrumentos legais como o pacto antenupcial, as doações com reserva de usufruto, e a criação de holdings familiares que auxiliam na proteção, estabilidade e planejamento dos sócios.
Debater sobre as ferramentas jurídicas previne conflitos, sendo fundamental no círculo familiar. Estabelecer regras, pactos e combinações com antecedência ajuda a evitar desgastes, mal-estares, desconfianças e desentendimentos.
Ainda que o círculo familiar se organize, não se deve deixar de lado o entrelaçamento dos círculos da família com os círculos dos negócios e da sociedade. Questões trabalhistas, tributárias, criminais individuais podem afetar negativamente o patrimônio e a imagem da empresa familiar.
Regras e protocolos
Por fim, regras existem para assegurar o alinhamento e a transparência das relações intrafamiliares e da família com a empresa. Não há a necessidade de serem entabulados longos contratos, acordo de sócios, estatutos e códigos de conduta. As regras devem ser simples e objetivas, ao ponto de engajar seus membros e refletirem o desejo das partes.
Elencamos abaixo algumas sugestões relacionadas à família, abarcando diferentes instâncias e círculos de governança:
- Assembleia/Conselho familiar – Quem pode participar? O que se considera família para efeito de participação na assembleia? Como eleger o presidente do conselho de família? Qual a frequência, quórum mínimo, duração e temas dos encontros?
- Conselho de administração – Quem pode participar? Qual seu papel e sua alçada para tomar decisões? Quantos membros? Todos os membros serão remunerados? Como isso será determinado? Qual a qualificação e o perfil exigidos dos membros? Como será feita a interação com a família? Qual a duração do mandato? Como será avaliado? Como preparar membros da família para futura participação no conselho? Como e quando o conselho e os conselheiros serão avaliados?
- Trabalho na empresa – Membros da família podem trabalhar na empresa? Quais os pré-requisitos e condições? Quais os critérios para remuneração, promoção, aumentos e outros benefícios, demissão voluntária e involuntária?
- Acordo de sócios e liquidez – Quais os direitos e deveres dos sócios? Quem pode vender ações, quando e para quem? Quem e como se determina o preço de compra e venda de ações? Há um mínimo para comprar/vender? Quem pode votar? Qual a duração do acordo? Quais são as opções para gerar liquidez? O pagamento será à prazo ou à vista? A sociedade terá um fundo de saída? As quotas serão gravadas com cláusulas de usufruto, incomunicabilidade e impenhorabilidade?
- Dividendos – Como a família encara a distribuição dos dividendos? Quais são os critérios para a distribuição de dividendos? Qual sua periodicidade? Qual o percentual dos dividendos a ser reinvestido na empresa ou retido para necessidades futuras?
- Empréstimos – A empresa pode emprestar recursos para membros da família? Sob quais circunstâncias e regras deve ocorrer o empréstimo? O que pode ser dado em garantia? Ações da própria empresa podem ser dadas em garantia de empréstimos a terceiros?
- Comunicação – Que tipos e canais de comunicação serão usados entre os familiares? E entre a família e a administração? Qual a periodicidade das comunicações oficiais?
- Conflito de interesses – Qual o protocolo para relacionamento com fornecedores e clientes? Membros da família podem participar direta ou indiretamente de negócios concorrentes? E prestar serviços para a empresa da família?
Esses pontos podem parecer complexos, mas, na verdade, os problemas que eles pretendem evitar certamente são mais inconvenientes. Com o apoio de uma assessoria jurídica especializada, a governança corporativa em sua empresa familiar pode acontecer de maneira natural e simples.
Conclusão
Esperamos ter fornecido elementos para aqueles que desejam implementar governança corporativa em empresas familiares. Por óbvio, existem inúmeras possibilidades, métodos e questões não abordadas neste artigo, todavia, é o primeiro passo.
Conferir mais transparência, protocolos e regras para evitar conflitos dentro da sociedade é o caminho certo para a estabilidade e o sucesso do empreendimento.
Ficou com alguma dúvida? Deixe um comentário para podermos te responder!
Você também pode entrar em contato conosco por aqui.
Adriano Lucchesi
Adriano Lucchesi é advogado, inscrito na OAB/MG: 176.171, e sócio do escritório Lucchesi & Dolabela Sociedade de Advogados, graduado na Universidade Federal de Minas Gerais - UFMG, possui pós-graduação nas áreas de Direito Desportivo e Direito do Trabalho. Tem experiência com trabalhos nas áreas de Direito Empresarial, Civil e Propriedade Intelectual.