
A desconsideração da personalidade jurídica em processos trabalhistas
A Desconsideração da Personalidade Jurídica é um instituto que permite que a Justiça acione os bens pessoais dos sócios de uma empresa quando as dívidas empresariais não são pagas.
No campo do Direito do Trabalho, a desconsideração da personalidade jurídica trabalhista vem ganhando cada vez mais espaço para a execução de dívidas oriundas de relações de trabalho, pois, desde a reforma trabalhista de 2017, passou a estar expressamente prevista na CLT (Consolidação das Leis Trabalhistas).
Isso é um ponto de atenção importante para quem tem ou administra um negócio, porque pode colocar o patrimônio pessoal em risco. Neste artigo, vamos explicar de forma clara como funciona esse mecanismo, quando ele pode ser aplicado e como se proteger dele.
O que é a desconsideração da personalidade jurídica trabalhista
No Brasil, as empresas têm personalidade jurídica própria, o que significa que os bens dos sócios são separados dos bens da empresa, garantindo mais segurança para todos aqueles integrantes da sociedade.
Dessa forma, as responsabilidades derivadas da atividade empresarial devem ser cumpridas com o patrimônio da empresa, funcionando como uma barreira protetora dos bens pessoais dos sócios. Ou seja, os bens dos sócios ficam protegidos das dívidas que eventualmente podem decorrer da atividade empresarial, criando uma separação de fato entre o que pertence aos sócios e o que é de propriedade da sociedade.
Entretanto, é possível que, em certos cenários, essa divisão entre os patrimônios seja questionada, para que a Justiça possa “desconsiderar” essa separação e permitir que os bens pessoais dos sócios sejam usados para pagar dívidas da empresa. Este é justamente o Incidente de Desconsideração da Personalidade Jurídica (IDPJ).
No Direito do Trabalho, a desconsideração da personalidade jurídica trabalhista está previsto no art. 855-A da CLT. Este instituto, caso sejam cumpridos os requisitos necessários, afasta a alegação da separação patrimonial entre a empresa e os sócios, sendo seu patrimônio pessoalmente atingido para pagamentos de dívidas trabalhistas. Além disso, é comum na Justiça do Trabalho a aplicação da chamada “Teoria Menor”, que é mais flexível e permite a desconsideração mesmo sem prova de fraude, apenas pela falta de bens da empresa.
O instituto da desconsideração da personalidade jurídica trabalhista já era utilizado antes mesmo da aplicação da reforma trabalhista de 2017, considerando que o Código de Processo Civil (CPC) já era utilizado de forma complementar, em segundo plano, no caso de lacunas na lei trabalhista. Contudo, somente após este marco, que constitui a Lei n° 13.467/2017, o incidente passou a constar na CLT de forma expressa em seu artigo 855-A, trazendo maior segurança jurídica quanto à incidência do evento nos processos trabalhistas.
A aplicação do Código de Processo Civil é amparada pela CLT no artigo 769 que permite em casos de omissão da legislação, a aplicação do procedimento processual comum. Desta forma, assim como dispõe o CPC, será garantido aos sócios seu direito a apresentar defesa antes que o incidente seja considerado procedente, tendo este a garantia de que seus bens não serão atingidos sem ter a chance de se manifestar.
O que é a desconsideração inversa da personalidade jurídica trabalhista
Delineando a desconsideração padrão que conhecemos, que é a mais aplicada, existe ainda a chamada desconsideração inversa da personalidade jurídica, que pode ser aplicada também nos procedimentos trabalhistas.
A desconsideração inversa da personalidade jurídica trabalhista representa a inversão de papéis, caso em que a empresa que irá responder pelas dívidas contraídas de forma fraudulenta pelos sócios, afastando a autonomia patrimonial.
Porém, considerando a excepcionalidade da medida, para que seja procedente o pedido de inversão, será aplicada a “Teoria Maior”, ou seja, haverá a exigência de provas concretas de que houve por parte do sócio comportamentos abusivos em relação à empresa. Isso acontece, por exemplo, quando o sócio usa a conta da empresa para despesas pessoais ou tenta esconder bens pessoais no nome da empresa.
Como funciona o Incidente de Desconsideração da Personalidade Jurídica (IDPJ)?
O incidente de desconsideração poderá ser instaurado por qualquer das partes do processo, seja o trabalhador ou a própria empresa e a qualquer tempo, ou seja, tanto durante o processo quanto depois, na fase de execução.
Para que o pedido seja reconhecido em juízo, é necessário que seja demonstrado o abuso da personalidade jurídica. Isso significa que a empresa foi usada de forma indevida pelos sócios, com o objetivo de fraudar a lei ou prejudicar terceiros (como empregados ou credores).
A finalidade do IDPJ, por sua vez, é garantir que as decisões judiciais sejam cumpridas de forma eficiente, isto é, que as dívidas sejam pagas. E o seu impacto é ainda maior no Direito do Trabalho, considerando a dependência do trabalhador em relação às verbas que estão sendo discutidas.
Dessa forma, a desconsideração da personalidade jurídica trabalhista é aplicada principalmente na execução, depois de já concluído pelo juízo que os valores são devidos e que a empresa não possui bens suficientes para se responsabilizar individualmente, além da comprovação do abuso da personalidade jurídica. Se cumpridos os requisitos, os bens dos sócios estarão submetidos ao risco de confisco e penhora, como carros, imóveis, saldos em conta bancária, objetos de valor, entre outros.
Situações comuns que levam à desconsideração
Algumas situações aumentam bastante o risco de desconsideração. As mais comuns são:
- A confusão patrimonial, que demonstra que não há uma separação evidente entre o que é da pessoa jurídica e o que é dos sócios;
- O desvio de finalidade, em que utiliza a empresa com objetivo de lesionar credores; ou
- O encerramento irregular da empresa, quando a empresa deixa de funcionar sem dar baixa oficial nos registros (como na Junta Comercial), dificultando o acesso dos credores aos bens da sociedade.
Esses comportamentos mostram que a empresa está sendo usada como um escudo para proteger indevidamente os sócios e, por isso, podem justificar a desconsideração da personalidade jurídica.
Outra situação que merece atenção é a responsabilidade do retirante, ou seja, aquele que, no momento de ajuizamento da ação, já não era pertencente àquela sociedade. Neste caso, mesmo não pertencendo mais ao quadro societário, o sócio retirante poderá responder de forma subsidiária, ou seja, se o principal responsável não for capaz de cumprir suas obrigações.
Porém, é importante dizer que essa responsabilidade do retirante não é ilimitada, podendo ser responsabilizado por até dois anos, contados a partir da averbação da modificação do contrato social, que estipula sua saída. Ou seja, caso a empresa cometa a falha de não realizar a averbação no órgão responsável, este período não começará a ser contabilizado para aquele ex-sócio que será responsabilizado juntamente com os demais.
Então, respondendo à dúvida comum de se “ex sócio responde por dívida trabalhista”, a resposta é sim, desde que a ação seja iniciada em até dois anos da retirada do sócio. Sobre a desconsideração da personalidade jurídica para a responsabilização do ex-sócio (ou sócio retirante), a 5° Turma do TST reconheceu em Recurso de Revista (RR 249-97.2016.5.08.0209) a responsabilidade subsidiária do sócio que se retirou da sociedade, sendo que, com a devida averbação do registro que modifica o contrato social, o ex-sócio somente responderá por até dois anos contados de sua saída, com base no art. 1032 do Código Civil.
Jurisprudência do TST sobre a desconsideração da personalidade jurídica
Apesar da importância e da constante utilização do IDPJ (Incidente da Personalidade Jurídica) no Direito do Trabalho, ainda não há um entendimento unânime no TST (Tribunal Superior do Trabalho) quanto às chamadas Teorias Maior e Menor. Isto porque o entendimento das turmas se diferenciam quanto a aplicação de cada uma das teorias no momento de comprovação dos atos abusivos.
Em alguns casos, aplicando a Teoria Menor, o Tribunal aplica a desconsideração da personalidade jurídica quase que automaticamente, bastando o fato de que a pessoa jurídica esteja insolvente (AIRR 0000100-26.2019.5.19.0004).
Por outro lado, aplicando a Teoria Maior, vemos Turmas que defendem a necessidade de comprovação de desvio de finalidade e confusão patrimonial, além também do prejuízo sofrido pelo credor (Ag-RR 0000770-86.2012.5.06.0193).
Vale destacar que já há um esforço para se unificar o entendimento do TST quanto à aplicação do Incidente da Personalidade Jurídica trabalhista, com o Tema 42 do TST, mas ainda não houve julgamento ou tese firmada.
Diante desta incerteza, é essencial que os empresários adotem uma postura preventiva na gestão de seus negócios. A falta de uniformidade nas decisões do TST significa que, mesmo atuando de boa-fé, o sócio pode ser surpreendido com a desconsideração da personalidade jurídica e ter seu patrimônio pessoal atingido em caso de insolvência da empresa.
Por isso, mais do que confiar em uma eventual jurisprudência favorável, o ideal é estruturar a empresa com base em boas práticas jurídicas e contábeis que minimizem riscos e demonstrem a separação real entre a pessoa jurídica e seus sócios. No próximo tópico, abordamos algumas dessas medidas preventivas que podem fazer toda a diferença na proteção patrimonial dos empresários.
Medidas preventivas para empresários
Buscando a proteção da sociedade e dos sócios diante de ações que podem acarretar o pedido de desconsideração da personalidade jurídica no Direito do Tabalho, algumas cautelas são necessárias.
Primeiramente, é necessário que a separação entre os bens pessoais dos sócios e da sociedade esteja mais que evidente. Assim, o uso pessoal de bens que são de propriedade da sociedade deve ser evitado e a contabilidade da empresa precisa manter-se atualizada.
Também é recomendado elaborar cláusulas contratuais com a responsabilidade bem definida entre as partes, seus respectivos direitos e deveres. Isso inclui tanto o contrato social, para definir a responsabilidade entre os sócios, quanto os contratos de trabalho – utilizados na admissão de funcionários –, para demonstrar que a empresa age com previsibilidade, respeita a legislação trabalhista e mantém as relações de forma profissional.
Além disso, também constituem medidas preventivas as práticas de governança interna. As políticas de governança corporativa, como são nomeadas, adotam práticas robustas e concretas que delineiam a boa gestão empresarial, com ética, transparência, equidade e responsabilidade.
Por fim, um advogado especializado na área trabalhista e empresarial tem um papel estratégico fundamental na prevenção do Incidente de Desconsideração da Personalidade Jurídica (IDPJ). Desde a correta estruturação empresarial, passando pela elaboração de contratos e políticas internas, até o acompanhamento contínuo e a identificação de riscos, a sua atuação mantém a empresa protegida.
E se, mesmo com todos os cuidados, a empresa for alvo de ações trabalhistas e um pedido de desconsideração, o advogado será responsável por apresentar a defesa da empresa e dos sócios, mostrando que não houve abuso, fraude ou confusão patrimonial.
Conclusão
A desconsideração da personalidade jurídica trabalhista é uma ferramenta importante para proteger trabalhadores, mas sem uma uniformização sobre o tema nos tribunais, ela é usada, certas vezes, de forma automática ou injustificada, podendo prejudicar empresários que agem corretamente.
Dessa forma, a melhor atitude que as empresas podem ter é prevenir a ocorrência, e, diante do possível contratempo, buscar soluções que deixem mais que evidente que não ocorrem comportamentos abusivos contra a sociedade empresária e que há o devido afastamento em relação aos patrimônios.
Empresários que conhecem os riscos da desconsideração da personalidade jurídica estão mais preparados para evitar prejuízos pessoais. Agir com organização, transparência e apoio jurídico é a melhor forma de proteger seu patrimônio e manter o funcionamento legal da sua empresa mesmo diante de desafios trabalhistas.
Mais do que reagir a processos, a atuação preventiva é o que realmente protege. Com orientação especializada, sua empresa pode operar com segurança, evitando surpresas desagradáveis e construindo uma relação mais equilibrada com colaboradores, fornecedores e a própria Justiça do Trabalho.
Caso você ainda tenha dúvidas sobre como organizar a estrutura legal da empresa e prevenir riscos que possam levar à desconsideração da personalidade jurídica, entre em contato conosco. Estamos prontos para ajudar você a manter seu negócio seguro e em conformidade com o Direito do Trabalho e o Direito Empresarial.
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Adriano Lucchesi
Adriano Lucchesi é advogado, inscrito na OAB/MG: 176.171, e sócio do escritório Lucchesi & Dolabela Sociedade de Advogados, graduado na Universidade Federal de Minas Gerais – UFMG, possui pós-graduação nas áreas de Direito Desportivo e Direito do Trabalho. Tem experiência com trabalhos nas áreas de Direito Empresarial, Civil e Propriedade Intelectual.

Louis Dolabela
Louis Dolabela é advogado com mais de 13 anos de experiência em Direito Desportivo, Direito de Família, Consumidor e Bancário. Possui MBA em Advocacia de Alta Performance pela PUC-Minas e Pós-Graduação em Conciliação e Mediação de Conflitos pelo Centro de Mediadores. É certificado em Mediação Familiar, Inteligência Emocional, Comunicação Não Violenta e Negociação.