Nova Lei Geral do Esporte e o futebol brasileiro. O que mudou?
No dia 14 de junho de 2023, foi promulgada a nova Lei Geral do Esporte (LGE), cujo objetivo foi o de concentrar os princípios, regras e diretrizes do esporte no Brasil.
Até então, a legislação desportiva do país estava esparsa na Lei Pelé (Lei nº 9.615/1998), no Estatuto do Torcedor (Lei nº 10.671/2003), na Lei da Bolsa Atleta (Lei nº 10.891/2004), na Lei de Incentivo ao Esporte (Lei nº 11.438/2006) e na Lei de Treinadores de Futebol (Lei nº 8.650/93).
Neste artigo, mergulharemos nas novidades desta lei, analisando de perto as modificações que foram propostas e discutindo os possíveis impactos que elas trarão para atletas, clubes, entidades esportivas e, é claro, para o público apaixonado por futebol.
O contrato de trabalho desportivo
Prêmios, bichos e luvas
De agora em diante, os prêmios por performance ou resultado e luvas, caso ajustadas, não possuem mais natureza salarial. Isto significa que estas quantias não refletirão em outros benefícios trabalhistas como férias, 13º salário, FGTS e INSS.
Já o chamado “bicho”, é uma quantia paga ao jogador em caso de vitória em determinada partida. Geralmente é uma prestação bastante informal, combinada verbalmente e paga em dinheiro aos atletas e membros da comissão técnica.
Por outro lado, “luvas” são uma forma de pagamento adicional concedido a jogadores de futebol no Brasil e em outros países. Elas são geralmente oferecidas pelos clubes durante a negociação de um novo contrato de trabalho ou como um incentivo para renovar um contrato existente.
As luvas podem ser pagas uma única vez ou distribuídas ao longo de várias parcelas ao longo do tempo. Elas são consideradas parte da remuneração total do jogador e são usadas para atrair e reter jogadores talentosos ou para recompensar jogadores pelo seu desempenho recente ou futuro.
Justa causa por atraso de salários e imagem
O prazo máximo de atraso para o pagamento de obrigações remuneratórias dos atletas profissionais, inclusive referente ao contrato de direito de imagem, passou a ser de 2 (dois) meses, e não mais de 3 (três) meses.
Caso ultrapassado este período, o inadimplemento torna-se motivo de justa causa para a liberação do atleta para transferir-se para qualquer outra organização esportiva, nacional ou estrangeira, além do direito deste de exigir a cláusula compensatória e os haveres devidos até o fim do contrato.
Adicional noturno
A LGE disciplinou o adicional noturno para jogadores. Considera-se trabalho noturno a participação em jogos e em competições realizadas entre as 23h59 (vinte e três horas e cinquenta e nove minutos) de um dia e as 6h59 (seis horas e cinquenta e nove minutos) do dia seguinte.
Logo, no caso de participação em jogos e em competições realizados em período noturno, ao atleta empregado será devida uma remuneração com acréscimo de pelo menos 20% (vinte por cento) sobre a hora diurna, salvo condições mais benéficas previstas em convenção ou acordo coletivo.
Direito de imagem
O direito ao uso da imagem do atleta profissional ou não profissional pode ser por ele cedido ou explorado por terceiros, inclusive por pessoa jurídica da qual seja sócio, mediante ajuste contratual de natureza civil e com fixação de direitos, deveres e condições inconfundíveis com o contrato especial de trabalho esportivo.
Com isso, a LGE continuou discernindo o valor devido a título de imagem e o devido a título de salário. No entanto, a nova lei aumentou a proporção legal do pagamento em direito de imagem de 40% (quarenta por cento), para até 50% (cinquenta por cento) da remuneração, sob pena de configurar fraude trabalhista.
Antigamente era muito comum que atletas recebessem mais de 90% do “salário” em direito de imagem para que os custos dos clubes fossem diminuídos. Não raramente, estes acordos eram invalidados na Justiça do Trabalho, por simulação, condenando os clubes aos reflexos salariais sonegados como FGTS, férias, 13º salário, INSS, dentre outros.
Direitos econômicos na Nova Lei Geral do Esporte
A LGE também conceituou os chamados direitos econômicos. E segundo seu art. 94:,
“entende-se por direitos econômicos todo e qualquer resultado ou proveito econômico oriundo da transferência, temporária ou definitiva, do vínculo esportivo de atleta profissional entre organizações esportivas empregadoras, do pagamento de cláusula indenizatória esportiva prevista em contrato especial de trabalho esportivo ou de compensação por rescisão de contrato fixada por órgão ou tribunal competente.”
A LGE ainda ressalvou que a cessão ou a negociação de direitos econômicos dos atletas submetem-se às regras e aos regulamentos próprios de cada organização de administração esportiva e à legislação internacional das federações internacionais esportivas.
Como a FIFA e a CBF proíbem a cessão de direitos econômicos a terceiros que não sejam os clubes ou os próprios atletas, a legislação nacional incorporou esta regra, podendo ser alegada em tribunais comuns.
Os treinadores esportivos
A LGE definiu os treinadores esportivos como os profissionais que possuem como principal atividade remunerada a preparação e a supervisão da atividade esportiva de um ou vários atletas profissionais.
O exercício da profissão de treinador esportivo em organização de prática esportiva profissional, como clubes, ficou reservado exclusivamente:
- Aos portadores de diploma de educação física;
- Aos portadores de diploma de formação profissional em nível superior em curso de formação profissional oficial de treinador esportivo, devidamente reconhecido pelo Ministério da Educação, ou em curso de formação profissional ministrado pela organização nacional que administra e regula a respectiva modalidade esportiva;
- Aos que, na data da publicação desta Lei, estejam exercendo, comprovadamente, há mais de 3 (três) anos, a profissão de treinador esportivo em organização de prática esportiva profissional.
Além disso houve a ressalva aos ex-atletas, que podem ser treinadores, desde que:
- Comprovem ter exercido a atividade de atleta por 3 (três) anos consecutivos ou por 5 (cinco) anos alternados, devidamente comprovados pela respectiva organização que administra e regula a modalidade esportiva;
- Participem de curso de formação de treinadores, reconhecido pela respectiva organização que administra e regula a modalidade esportiva.
Contratos de agenciamento e intermediação
O art. 95 da LGE nos diz que agente esportivo é a pessoa natural ou jurídica que exerce a atividade de intermediação na celebração de contratos esportivos e no agenciamento de carreiras de atletas.
Para o legislador, é facultado aos parentes em primeiro grau, ao cônjuge e ao advogado do atleta representar os interesses do atleta na condição de intermediadores do contrato esportivo ou de agenciadores de sua carreira, sem necessidade de registro ou de licenciamento pela CBF e FIFA.
Portanto, não há infração ao regulamento das competições caso o atleta opte por ser representado em negócios por parentes de primeiro grau ou advogado.
No entanto, a LGE também garante que a atuação de intermediação, de representação e de agenciamento esportivo submete-se às regras e aos regulamentos próprios de cada organização de administração esportiva e à legislação internacional das federações internacionais esportivas. E estes regulamentos, como o da FIFA e da CBF, definem obrigações, cuidados e limites de atuação dos agentes.
Entidade formadora
A LGE pacificou a divergência que existia entre a Lei Pelé e os regulamentos da FIFA e da CBF.
Agora, a organização esportiva formadora de atleta terá o direito de assinar com ele, a partir de 16 (dezesseis) anos de idade, o primeiro contrato especial de trabalho esportivo, cujo prazo não poderá ser superior a 3 (três) anos para a prática do futebol, com direito de preferência na primeira renovação.
Ademais, a nova legislação deixou claro que o atleta em formação, menor de 14 (quatorze) anos, poderá desligar-se a qualquer tempo da organização esportiva formadora, mesmo que se vincule a outra organização esportiva, sem que haja a cobrança de qualquer tipo de multa ou outros valores a título de indenização.
Mecanismo de solidariedade
A LGE aumentou de 5% para 6% o percentual a ser distribuído sempre que ocorrer transferência nacional, definitiva ou temporária, de atleta profissional entre as organizações esportivas que contribuíram para a formação do jogador, na proporção de:
- 0,5% (cinco décimos por cento) para cada ano de formação, dos 12 (doze) aos 13 (treze) anos de idade;
- 1% (um por cento) para cada ano de formação, dos 14 (quatorze) aos 17 (dezessete) anos de idade, inclusive; e,
- 0,5% (cinco décimos por cento) para cada ano de formação, dos 18 (dezoito) aos 19 (dezenove) anos de idade, inclusive.
Importante observar que cabe a organização esportiva cessionária do atleta reter do valor a ser pago à organização cedente 6% (seis por cento) do valor acordado para a transferência e distribuí-los às organizações esportivas que contribuíram para a formação do atleta.
Caso o atleta se desvincule da organização esportiva de forma unilateral, mediante pagamento da cláusula indenizatória, caberá à organização que recebeu a cláusula indenizatória distribuir 6% (seis por cento) de tal montante às organizações esportivas responsáveis pela formação do atleta.
O percentual devido às organizações esportivas formadoras do atleta deverá ser calculado sempre de acordo com certidão a ser fornecida pela organização esportiva que regula o esporte nacionalmente (CBF), cabendo a esta exigir o cumprimento do disposto neste parágrafo, e os valores deverão ser distribuídos proporcionalmente em até 30 (trinta) dias da efetiva transferência.
Direitos de transmissão
Em linha com o que já estava ocorrendo nos últimos anos através de alterações legislativas, a LGE definiu pertencer às organizações esportivas mandantes o direito de arena, que consiste no direito de exploração e comercialização de difusão de imagens, abrangendo a prerrogativa privativa de negociar, de autorizar ou de proibir a captação, a fixação, a emissão, a transmissão, a retransmissão e a reprodução de imagens, por qualquer meio ou processo, de evento esportivo de que participem.
Com isso, os contratos de transmissão podem ser exercidos mediante a anuência do clube mandante. No passado, era necessária a autorização de ambos os clubes para que a partida pudesse ser transmitida.
Hoje, os clubes se organizam em bloco para a negociação coletiva dos direitos de transmissão das partidas e competições para os próximos anos.
Punições a atos discriminatórios
A Lei Geral do Esporte (LGE) também aborda a questão das torcidas organizadas acerca de condutas discriminatórias, racistas, xenófobas, homofóbicas ou transfóbicas durante eventos esportivos.
Nesses casos, essas torcidas podem ser punidas com a proibição de comparecer a eventos esportivos por um período de até cinco anos.
Conclusão
As mudanças promovidas pela Lei Geral do Esporte ainda terão seu impacto sentido por atletas, clubes, entidades de organização e torcedores. Muitas novas regras trazem alterações relevantes para o dia a dia de quem trabalha no setor.
Por isso, contar com a assessoria de experientes advogados em direito desportivo pode auxiliar na efetivação de boas negociações e na economia de despesas.
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Adriano Lucchesi
Adriano Lucchesi é advogado, inscrito na OAB/MG: 176.171, e sócio do escritório Lucchesi & Dolabela Sociedade de Advogados, graduado na Universidade Federal de Minas Gerais - UFMG, possui pós-graduação nas áreas de Direito Desportivo e Direito do Trabalho. Tem experiência com trabalhos nas áreas de Direito Empresarial, Civil e Propriedade Intelectual.