A responsabilidade do Palmeiras nos eventos de violência envolvendo torcedores: uma análise jurídica com base no Código Civil
A recente tragédia envolvendo a morte de um torcedor do Cruzeiro em uma emboscada atribuída a membros da torcida organizada Mancha Alviverde gerou grande comoção e levou à judicialização do caso, com a família da vítima movendo ação de indenização contra a Sociedade Esportiva Palmeiras. Apesar da gravidade dos fatos e do impacto social, é fundamental analisar a situação sob a ótica jurídica, especialmente à luz do Código Civil, para compreender a inexistência de responsabilidade do clube em casos como este.
O dever de indenizar e o artigo 927 do Código Civil
O Código Civil Brasileiro estabelece, em seu artigo 927, o dever de indenizar nos casos em que houver a prática de ato ilícito que cause dano a outrem. Para que haja a obrigação de indenizar, é necessário que se configurem os seguintes elementos:
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- Ato ilícito: ação ou omissão contrária à lei;
- Dano: prejuízo material ou moral à vítima;
- Nexo de causalidade: vínculo direto entre o ato ilícito e o dano causado;
- Culpabilidade (ou responsabilidade objetiva, quando aplicável): a demonstração de culpa ou dolo, salvo hipóteses de responsabilidade objetiva previstas em lei.
No caso em análise, a violência praticada pelos membros da torcida organizada não configura ato ilícito praticado pelo Palmeiras, mas sim por terceiros (os torcedores organizados). Não há prova de que o clube tenha incitado, facilitado ou contribuído direta ou indiretamente para o ocorrido. Assim, inexiste nexo de causalidade que possa imputar responsabilidade ao Palmeiras.
Responsabilidade civil e a relação com terceiros (artigo 932)
O artigo 932 do Código Civil lista hipóteses de responsabilidade indireta ou por fato de terceiro, nas quais uma pessoa ou entidade pode ser responsabilizada pelos atos de outra. No entanto, as situações descritas no dispositivo não incluem clubes de futebol em relação a torcidas organizadas. Torcidas organizadas possuem personalidade jurídica própria e agem como entidades independentes. Logo, o Palmeiras não pode ser responsabilizado pelos atos de seus torcedores fora do âmbito das relações de trabalho ou de subordinação direta.
Inaplicabilidade da responsabilidade objetiva
Embora o artigo 927, parágrafo único, trate da responsabilidade objetiva em situações de risco inerente à atividade, não é possível aplicar essa norma ao Palmeiras neste caso. A atividade de promoção de jogos de futebol não gera, por si só, risco inerente de que atos violentos sejam praticados fora do estádio ou em ambientes fora do controle do clube. Ademais, o fato em questão ocorreu em uma rodovia, em contexto completamente alheio à organização do clube.
O papel do Estado no combate à violência
A responsabilidade pelo controle da violência associada a torcidas organizadas cabe ao Estado, por meio de suas forças de segurança pública. A escalada de conflitos violentos no futebol brasileiro é um problema de segurança pública e não uma questão de responsabilidade institucional dos clubes, que, por mais que condenem tais práticas, não possuem poder de polícia para prevenir ou coibir ações criminosas.
A ausência de vínculo jurídico direto entre o clube e os envolvidos
Torcedores, ainda que organizados, são juridicamente independentes do clube que apoiam. No Brasil, as torcidas organizadas possuem personalidade jurídica própria, sendo responsáveis por suas próprias ações. Isso significa que os atos ilícitos praticados por membros de uma torcida não podem ser automaticamente imputados ao clube, a menos que se demonstre um vínculo direto de participação ou incentivo. Não há qualquer evidência, neste caso, de que o Palmeiras tenha incitado, planejado ou colaborado com os atos de violência em questão.
Limitações da responsabilidade pelo artigo 186 do Código Civil
O artigo 186 do Código Civil define o ato ilícito como aquele que viola direito e causa dano, seja por negligência, imprudência ou dolo. Como o Palmeiras não teve qualquer participação ativa ou omissiva na prática do ato, não se pode falar em ilicitude ou culpa do clube. Mesmo que atos violentos tenham sido atribuídos a indivíduos ligados à torcida organizada Mancha Alviverde, essa relação não transfere responsabilidade jurídica ao clube.
Conclusão
Com base no Código Civil, é evidente que o Palmeiras não tem responsabilidade civil pelo ocorrido, pois não praticou ato ilícito, não há nexo causal entre sua conduta e o dano, e tampouco há responsabilidade por fato de terceiro que se aplique ao caso. A tragédia expõe, mais uma vez, a necessidade de responsabilização individual dos envolvidos e a adoção de políticas públicas eficazes no combate à violência no futebol. Contudo, atribuir ao Palmeiras o dever de indenizar extrapola os limites da legislação vigente e contraria os princípios fundamentais do direito civil brasileiro.
(Confira no link a reportagem ilustrada na imagem de capa)
Louis Dolabela
Louis Dolabela é advogado com mais de 13 anos de experiência em Direito Desportivo, Direito de Família, Consumidor e Bancário. Possui MBA em Advocacia de Alta Performance pela PUC-Minas e Pós-Graduação em Conciliação e Mediação de Conflitos pelo Centro de Mediadores. É certificado em Mediação Familiar, Inteligência Emocional, Comunicação Não Violenta e Negociação.