Comentários sobre o contrato de doação
A doação é um instrumento que permite a transferência voluntária de propriedade, bens, ou vantagens de uma pessoa para outra, mesmo sem retribuição.
É uma ferramenta importante tanto no âmbito familiar, para o planejamento sucessório e divisão de patrimônio, quanto em diversas situações em que se busca realizar atos de generosidade e auxílio ao próximo.
Ao estabelecer os termos e condições de um contrato de doação, é preciso estar atento para algumas situações de modo que as partes tenham segurança sobre a validade e efetividade do ato.
Neste texto, exploraremos os elementos essenciais de um contrato de doação, sua importância e implicações legais, bem como exemplos onde essa modalidade contratual pode ser aplicada.
Quem pode doar?
Podem doar aquelas pessoas com capacidade de exercerem os atos da vida civil, ou seja, realizar atos jurídicos por si mesma, adquirindo direitos e assumindo obrigações.
No geral, são capazes todas as pessoas maiores de 18 anos, exceto aquelas que, por alguma limitação, não puderem exprimir sua vontade livremente – como as pessoas interditadas, por exemplo.
Como doar?
A doação é feita por um contrato particular ou por uma escritura pública a ser celebrada no Cartório de Notas.
Para bens imóveis com valor superior a 30 salários mínimos, é necessária a escritura pública para a validação da doação. Caso a doação deste tipo de bem seja feita por contrato particular, a operação será considerada nula.
A doação verbal somente é válida, se, versando sobre bens móveis e de pequeno valor, for realizada imediatamente à entrega do objeto ao donatário. Caso contrário, presume-se que a coisa foi emprestada.
Existem limites para a doação?
Sim. É preciso estar bem atento ao contexto da doação para que ela não seja considerada nula. Em especial, conforme os art. 548, 549, 550 e 544 do Código Civil, destacamos algumas situações que devem ser observadas:
- É nula a doação de todos os bens sem reserva de parte, ou renda suficiente para a subsistência do doador;
- É também nula a doação quando, no momento da apuração da legítima, o doador exceder à parte que poderia dispor em testamento. Isso porque, no o Brasil, as pessoas podem doar ou testar somente 50% de seu patrimônio, a chamada parte “disponível”, pois os outros 50% são reservados aos herdeiros necessários (descendentes, ascendentes, cônjuge e companheiro);
- Cabe observar que a doação de ascendentes a descendentes, ou de um cônjuge a outro, importa adiantamento do que lhes cabe por herança. Nesta ocasião, este bem doado será compensado no momento da divisão da herança quando do falecimento do doador;
- Pode ser anulada a doação do cônjuge adúltero ao seu cúmplice pelo outro cônjuge, ou por seus herdeiros necessários, até dois anos depois de dissolvida a sociedade conjugal.
Adiantamento de legítima
O adiantamento de legítima, também conhecido como adiantamento de herança, é uma figura jurídica do direito brasileiro que permite a antecipação da distribuição de parte da herança aos herdeiros necessários em vida do autor da herança, ou seja, antes do falecimento deste.
A legítima é a metade da herança que a lei estabelece como destinada aos herdeiros necessários, que são os descendentes, ascendentes e cônjuge ou companheiro.
Como já dito, em regra, 50% do patrimônio do falecido é reservado à legítima, sendo que a outra metade constitui a chamada parte disponível, que pode ser livremente disposta pelo autor da herança através de testamento ou doações.
Essa doação é feita com a finalidade de antecipar organizadamente a divisão do patrimônio e, muitas vezes, de auxiliar financeiramente os herdeiros em momentos de necessidade.
No entanto, é importante destacar que o adiantamento de legítima não implica na redução da quota dos herdeiros beneficiados no momento do inventário e partilha após o falecimento do doador.
Ao realizar o adiantamento, o autor da herança deve observar as regras legais que garantem a igualdade entre os herdeiros, assegurando que a quota de cada um não seja afetada pela antecipação.
É necessário formalizar o adiantamento de legítima através de instrumento público ou particular, com a devida descrição dos bens ou valores doados, a identificação dos herdeiros beneficiados e outras formalidades previstas na legislação.
Por fim, é extremamente importante que, caso o doador opte por fazer a doação a descendente, ascendente, cônjuge ou companheiro, sem afetar a parte legítima, ou seja, sem adiantamento, que ele declare expressamente no documento que aquela operação diz respeito à parte disponível dos bens.
Agora que os limites para a doação já ficaram claros, vamos a algumas cláusulas importantes que podem constar em um contrato de doação.
Cláusula de reversão
Uma das preocupações de alguns doadores é se a doação poderia ser desfeita.
Para este objetivo, o doador pode estipular que os bens doados voltem ao seu patrimônio, se ele sobreviver ao donatário, ou se o beneficiário não executar determinada tarefa.
Podem ser revogadas também por ingratidão as doações:
- Se o donatário atentou contra a vida do doador ou cometeu crime de homicídio doloso contra ele;
- Se cometeu contra ele ofensa física;
- Se o injuriou gravemente ou o caluniou;
- Se, podendo ministrá-los, recusou ao doador os alimentos de que este necessitava.
Cláusula de opção de compra
Outra alternativa que se pode sugerir para aqueles que desejam doar, mas com alguma possibilidade de reversão, é a cláusula de opção de compra.
Nesta hipótese, o doador celebra um contrato com o donatário onde determina algumas situações, prazo, e condições onde o doador poderia adquirir de volta o bem doado através do pagamento de um preço.
Como a opção de compra é celebrada concomitantemente à doação, o preço pré-fixado para o exercício desta alternativa pode ser mais acessível para o doador. Isso permite que ele, em vida, monitore se o donatário está dando a destinação almejada.
Cláusula de incomunicabilidade
A cláusula de incomunicabilidade na doação é uma condição que impede que o bem doado seja compartilhado com o cônjuge ou o companheiro por conta do regime de casamento ou união estável do donatário.
Assim, este bem doado não integraria a meação, a metade dos bens que pertencem a cada cônjuge ou companheiro, em um regime de comunhão de bens.
Cláusula de impenhorabilidade
A cláusula de impenhorabilidade é uma disposição contratual que impede que um bem seja penhorado ou utilizado como garantia em processos de execução judicial ou cobranças de algumas dívidas.
Essa cláusula busca proteger o patrimônio de uma pessoa ou entidade, resguardando determinados bens de eventual apreensão ou penhora para o pagamento de obrigações financeiras.
Cláusula de inalienabilidade
A cláusula de inalienabilidade é uma disposição legal ou contratual que impede a transferência ou venda de um bem. Essa cláusula é utilizada para restringir a disposição do bem por parte do seu titular, preservando sua propriedade e impedindo sua alienação para terceiros.
Essa disposição é comumente utilizada em situações em que se busca garantir o usufruto exclusivo de um bem por parte de um beneficiário específico ou assegurar a continuidade de um legado familiar ou propriedade por gerações, inclusive como uma forma de governança corporativa para empresas familiares.
Impostos e Taxas
O Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doação de Quaisquer Bens ou Direitos – ITCD possui alíquota de até 8% no Brasil, percentual que incide sobre o valor do bem doado. Em Minas Gerais, essa alíquota é de 5%.
Porém, o imposto não incide sobre a doação quando os donatários são:
- A União, o Estado ou o Município;
- Os templos de qualquer culto;
- Os partidos políticos e suas fundações;
- As entidades sindicais;
- As instituições de assistência social, as educacionais, culturais e esportivas, sem fins lucrativos, atendidos os requisitos da lei;
- As autarquias e as fundações instituídas e mantidas pelo poder público.
Além disso,para a celebração de escritura pública de doação, também são cobradas taxas e emolumentos judiciais no cartório.
Conclusão
Como vimos, a doação é uma importante forma de organização do patrimônio, podendo ser utilizado para fins de planejamento sucessório, e também para realizar atos de generosidade. No entanto, assim como todo contrato, existem alguns pontos relevantes para se levar em conta na hora de se redigir o contrato de doação, para que ele seja plenamente válido.
Portanto, ao lidar com uma doação, contar com a assessoria de um escritório de advocacia especializado é fundamental para garantir a elaboração correta do contrato, considerando suas peculiaridades e atendendo aos interesses das partes envolvidas.
Com o suporte adequado, é possível assegurar a segurança jurídica e a efetividade desse importante instrumento legal, contribuindo para relações transparentes e harmoniosas entre doadores e beneficiários.
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Adriano Lucchesi
Adriano Lucchesi é advogado, inscrito na OAB/MG: 176.171, e sócio do escritório Lucchesi & Dolabela Sociedade de Advogados, graduado na Universidade Federal de Minas Gerais - UFMG, possui pós-graduação nas áreas de Direito Desportivo e Direito do Trabalho. Tem experiência com trabalhos nas áreas de Direito Empresarial, Civil e Propriedade Intelectual.