O que é planejamento sucessório?
Se existe uma certeza na vida, esta é a da chegada da morte. Este triste evento naturalmente desencadeia uma série de mudanças na vida das famílias em todo o mundo. Pode ocorrer por causas inesperadas, como um acidente ou uma doença, ou pode se dar de modo natural após alcançada a velhice.
De qualquer maneira, a morte é um momento de transformação para os parentes próximos. Muitas das vezes se perde uma referência emocional, um elo que organizava o funcionamento de uma casa, os relacionamentos sociais diários e a administração de uma empresa.
Logo, se é um evento inevitável tão importante, com tantas repercussões na rotina da família e dos herdeiros, por que não se preparar para este momento? Organizar a estrutura familiar, os interesses dos parentes, o patrimônio, a economia de impostos e a sequência em determinada atividade econômica é uma forma de pensar no conforto e na sustentabilidade dos sucessores.
O ideal é que esta transição pós morte seja efetivada com estabilidade, de modo que os herdeiros estejam preparados para enfrentar as questões que lhe serão impostas com a ausência do sucedido.
Nesse sentido, preparamos um material com alguns pontos importantes a serem observados quando o assunto é planejamento sucessório, que pretende garantir esse cenário de estabilidade.
O que é planejamento sucessório?
O planejamento sucessório é uma série de medidas tomadas com a finalidade de tornar o processo de morte, sucessão e inventário mais estável, econômico e fácil para a família e o(s) sucessor(es).
O que é a herança?
Chamamos de herança o conjunto de bens e direitos deixados pela pessoa falecida aos herdeiros. É muito comum pensarmos em herança apenas como algo concreto, como um imóvel, dinheiro ou uma empresa, mas as vezes ficam dívidas, obrigações ou direitos. Tudo isso faz parte da herança.
Existe uma vedação expressa no art. 426 do Código Civil de negociar herança de pessoa viva. Ou seja, apenas com a ocasião da morte é que surge a herança. Antes disso, o proprietário é a única pessoa que pode dispor de seus bens.
O proprietário pode, também, planejar o que deseja que aconteça com o seu patrimônio quando ele se tornar herança. Como veremos, isso faz parte de um planejamento sucessório.
Quem são os herdeiros segundo a legislação?
Em linha primordial, são herdeiros os descendentes (filhos, netos, bisnetos etc) e o cônjuge ou o companheiro declarado pela união estável.
Na falta de descendentes, recebem herança os ascendentes (pais, avós, bisavós etc).
Se não existirem estes últimos, nem cônjuges ou companheiros, a herança fica para os irmãos ou sobrinhos.
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O que é o inventário?
Chamamos de inventário o procedimento de reunião dos bens, direitos e dívidas do falecido(a), o pagamento do imposto e a transmissão destes bens e direitos para seus sucessores.
O inventário pode ser extrajudicial, efetuado amigavelmente por todos os herdeiros no Cartório de Notas, ou pode ser judicial, com a nomeação de um inventariante e a fiscalização de um Juiz de Direito.
Para quem é indicado o planejamento sucessório?
Para qualquer pessoa com herdeiro(s) ou sucessor(es) que deseje facilitar a transição de direitos e obrigações no momento de sua morte para estes destinatários, pagando menos impostos e evitando conflitos.
Por que é importante fazer planejamento sucessório?
Como já dito, a morte traz várias repercussões em sequência para a família e os sucessores.
A primeira delas são as despesas funerais. Pode parecer óbvio, mas muitas pessoas não contabilizam os custos desde o translado do corpo, a preparação, o velório e taxas de cremação ou manutenção de cemitério.
A segunda são aquelas relativas às obrigações imediatas da pessoa falecida, que devem continuar sendo quitadas pelos herdeiros/sucessores. São exemplos destas despesas as taxas de condomínio dos imóveis, aluguel, água, luz, esgoto, IPTU, financiamentos, IPVA de veículos, taxas de licenciamento, bem como outras obrigações particulares.
Num terceiro momento, os herdeiros/sucessores passam a se preocupar com o processo de inventário. Se for acordado amigavelmente entre todos e não houver sucessores menores de idade, o procedimento de partilha pode ser feito diretamente no Cartório de Notas, mediante a assinatura de uma escritura pública e a assistência de um advogado.
Aqui, além dos honorários do advogado, serão exigidas as despesas com o cartório, que variam entre 1%-2% do valor dos bens envolvidos, além do pagamento do Imposto de Transmissão Causa Mortis e Doação – ITCMD ou ITCD.
A alíquota do ITCMD chega até 8% em todo o território brasileiro. Em Minas Gerais, a taxa do imposto é de 5% do valor do patrimônio inventariado.
Lembrando que, para inventariar bens sujeitos a registro público, como imóveis e automóveis, é preciso que todos os impostos estejam devidamente quitados para a emissão das respectivas Certidões Negativas de Débitos Municipais, Estaduais e Federais.
Caso não haja consenso quanto a partilha dos bens inventariados ou haja sucessores menores de idade, a questão passará por um processo judicial. Nessa ocasião, certamente os honorários de advogado serão mais elevados, entre 4% e 9% do patrimônio, e o tempo de resolução será bastante alongado, tendo em vista o congestionamento do Poder Judiciário.
Ademais, o conflito sempre causa instabilidade e congelamento na administração dos bens deixado de herança. Não raramente, em meio à disputa de responsabilidade e obrigações, os pagamentos das despesas correntes são deixados de lado (impostos, taxas e prestações), os quais acumulam-se com multas, juros e correção monetária, alavancando a dívida da família.
Também, os bens dificilmente são conservados em bom estado e acabam sendo negociados a muito custo e com um preço depreciado de mercado, justamente por estar envolvido em processo litigioso.
Aliás, este último ponto se agrava com o fato de os herdeiros/sucessores não estarem financeiramente preparados para antecipar todos estes custos até o fim do processo de inventário. Assim, a venda de bens do espólio às pressas faz com que o preço da alienação não seja dos mais vantajosos.
Se houver uma empresa familiar, o destino não será diferente, pois a fragilidade na gestão atrapalhará a continuidade das atividades e a tomada de decisões necessárias para o dia a dia do empreendimento. Aliás, a morte é sempre inesperada e os sucessores assumem o comando da administração sem nenhum tipo de preparo, experiência e orientação para os desafios do negócio.
Portanto, o planejamento sucessório é uma questão multidisciplinar, envolvendo cautelas que variam desde (i) a garantia de estabilidade no aspecto emocional/familiar, (ii) a economia de tributos, (iii) o corte de despesas comuns de inventário, (iv) a preparação de uma tranquila sucessão empresarial e (v) o impedimento de conflitos futuros.
Quais são os instrumentos de planejamento sucessório?
São alguns mecanismos de planejamento sucessório:
- Doação
- Usufruto
- Holding Familiar
- Testamento
- Seguro de Vida
- Previdência Privada por VGBL
Falaremos individualmente de cada um deles a seguir:
Doação
A doação é um contrato onde alguém, por mera liberalidade, transfere patrimônio, bens ou vantagens a outra pessoa gratuitamente.
Dentro de um planejamento sucessório, este pode ser um bom instrumento de alocação de bens de acordo com a conveniência e interesses da família. Em muitos casos um imóvel tem mais ligação e utilidade para determinado sucessor, enquanto outro bem faz mais sentido se destinado a outro herdeiro.
A regra geral de sucessão faz com que o patrimônio seja repassado aos herdeiros de modo proporcional.
Na prática, eles ficam em condomínio, recebendo fatias de determinado bem. Essa opção pode não agradar a todos, portanto a doação acaba sendo uma maneira lícita de dividir os bens de modo mais confortável, respeitando os interesses e particularidades de cada sucessor.
Quando tratamos de bens imóveis, a doação deve ser feita por instrumento público. É importante que as partes especifiquem de qual parte do patrimônio do doador está saindo esta operação, se da legítima, ou da parte disponível.
A legítima é metade do patrimônio do doador que necessariamente deve ser destinada aos herdeiros necessários (descendentes, ascendentes e cônjuge/companheiro), enquanto a parte disponível é a metade de livre arranjo e composição do doador.
A legislação brasileira faz esta distinção, então toda pessoa só pode dispor livremente por doação ou testamento de metade de seus bens e direitos.
A doação sujeita-se a cobrança de ITCMD. Feita a doação dos bens, o inventário seguramente será mais simples, pois as questões mais complexas já teriam sido decididas antecipadamente em vida.
Usufruto
O usufruto é um instituto que permite que uma pessoa exerça a posse, o uso, a administração e/ou a percepção de frutos de um bem, sem ser a proprietária.
Esta ferramenta faz sentido no planejamento sucessório quando o doador passa a propriedade dos bens para seus herdeiros e sucessores, mas deseja manter o controle destes bens ainda em vida.
Por exemplo, imagine que a pessoa “A” faça uma doação do imóvel “X” para seus dois filhos “B” e “C”. No entanto, no instrumento de doação, fica introduzida uma cláusula de usufruto vitalício. Ou seja, enquanto “A” viver, os filhos “B” e “C” não poderão vender ou alugar o imóvel sem a anuência de “A”.
A mesma lógica se aplica em caso da doação de quotas empresariais. Neste segundo cenário, a pessoa “A” faz uma doação de “X” quotas da empresa “Y” para seus dois filhos “B” e “C”. No entanto, no instrumento de doação, fica introduzida uma cláusula de usufruto vitalício. Ou seja, enquanto a pessoa “A” viver, é ela quem exercerá os direitos políticos de votação e fiscalização na empresa, bem como receberá os dividendos dos lucros obtidos. Da mesma maneira, os filhos “B” e “C” não poderão vender as quotas sem a anuência de “A”.
A instituição de usufruto sujeita-se a cobrança de ITCMD, no entanto, usualmente com uma alíquota menor em relação a doações e inventários. Em Minas Gerais, essa alíquota é de 1/3 do valor da doação, ou seja, em torno de 1,7%.
Holding Familiar
O termo “Holding” significa “manter” ou “segurar” na língua inglesa. Uma Holding familiar nada mais é que uma empresa criada para organizar o patrimônio e exercer o controle ou participar na gestão de outras empresas ou bens.
Esta é uma boa alternativa de planejamento sucessório, pois as regras empresariais são mais claras e voltadas para a continuidade e estabilidade do empreendimento.
Uma empresa foi feita para funcionar, portanto, as normas de sociedades empresariais permitem que as decisões mais práticas e imediatas sejam tomadas pelo administrador eleito, enquanto as questões complexas são decididas por votação entre os sócios.
Obviamente que o contrato social da empresa vai delimitar as questões particulares de cada família. Por isso, passar o patrimônio para uma Holding tem grandes benefícios, como:
- O contrato social permite que os sócios definam quais as regras mais apropriadas de (i) eleição e destituição de administrador, (ii) exclusão de sócios, (iii) liquidação e pagamento de quotas de sociedade, (iv) métodos de avaliação de imóveis, (v) possibilidade de admissão de novos sócios na empresa, (vi) sucessão de sócios por morte, (vii) acordo de sócios para votação, (viii) direito de preferência na compra de quotas, (ix) formato de convocação de reuniões ou assembleias, dentre outras questões;
- Com o(s) imóvel(eis) transferidos para a empresa, não haverá mais a necessidade de averbações e pagamentos de custas com Cartório de Registro de Imóveis a cada mudança de geração na empresa. A troca de titularidade de quotas societárias é feita na Junta Comercial, sendo um procedimento muito mais rápido e barato, quando comparado ao Cartório de Registro de Imóveis;
- Com o patrimônio concentrado na empresa, mesmo com a abertura de um inventário, as atividades não sofrem tanta interrupção, pois o administrador continuará a gerir as atividades enquanto o processo de sucessão não se completa;
- Com regras claras e bem delimitadas, a chance de conflitos sobrevirem é reduzida drasticamente;
- A separação dos bens da pessoa física para a pessoa jurídica não deixa de ser um instrumento lícito de alocação de riscos e proteção patrimonial (art. 49-A do Código Civil).
Dessa forma, a holding patrimonial, além de servir como forma de alocação de bens, também reduz bastante a carga tributária paga pelos sucessores, uma vez que a sucessão deixa de ser feita em relação aos bens propriamente ditos para ser feita sobre quotas da empresa.
Testamento
Este tipo de ferramenta perdeu bastante espaço nos últimos tempos por seu excesso de formalidade. Todavia, o testamento é uma alternativa da pessoa, em sigilo, registrar sua última vontade, orientações e desejos, podendo dispor de 50% de seu patrimônio para qualquer pessoa, inclusive estranha à família.
O testamento pode ser celebrado por instrumento público ou particular. O primeiro naturalmente oferta mais segurança jurídica contra eventuais questionamentos de validade de forma e livre consciência do testador.
Seguro de Vida e Previdência Privada VGBL
Por força do art. 794 do Código Civil, o seguro de vida não está sujeito às dívidas do segurado e não faz parte da herança.
Ou seja, este é um valor líquido e certo para os beneficiários cadastrados pelo titular, que não sofrerá abatimento com dívidas ou impostos (ITCMD).
Portanto, pode ser um instrumento de planejamento sucessório útil para dar segurança e conforto imediatos aos sucessores, na medida em que o processo de inventário tem muitas despesas, sendo relevante esta disponibilidade imediata de recursos para dar andamento no processo e quitar as prestações mais urgentes, evitando decisões precipitadas por parte dos herdeiros.
Conclusão
Um bom planejamento pode dar estabilidade às famílias e aos herdeiros, além de garantir uma transição sustentável na administração diária do lar, dos bens e dos empreendimentos do sucedido.
Esperamos que este artigo sirva a você como linha de introdução ao assunto do planejamento sucessório, para que entenda os pontos importantes e a necessidade de se atentar aos benefícios deste instrumento.
Pretendemos, em breve, escrever mais detalhadamente sobre cada uma das ferramentas de planejamento sucessório.
Portanto, se ficou com alguma dúvida, deixe um comentário para podermos te responder em nossos próximos conteúdos!
Adriano Lucchesi
Adriano Lucchesi é advogado, inscrito na OAB/MG: 176.171, e sócio do escritório Lucchesi & Dolabela Sociedade de Advogados, graduado na Universidade Federal de Minas Gerais - UFMG, possui pós-graduação nas áreas de Direito Desportivo e Direito do Trabalho. Tem experiência com trabalhos nas áreas de Direito Empresarial, Civil e Propriedade Intelectual.