O direito de informação e assistência à saúde
A assistência à saúde vem passando por expressivas transformações ao longo dos anos, merecendo especial destaque a relação estabelecida entre o paciente e o profissional assistente, principalmente o médico.
O atendimento de saúde, qualquer que seja a especialidade, é considerado uma prestação de serviço e, portanto, está sujeito aos regramentos do Código de Defesa do Consumidor. Desta forma, o profissional é responsável por eventuais danos causados ao paciente em razão da técnica ou tratamento prescrito/aplicado, podendo ser demandado judicialmente.
Por certo, o princípio do direito à vida é o que orienta as práticas assistenciais de saúde, sobretudo quando se trata de procedimentos de natureza curativa, em um cenário de doença que demanda a intervenção clínica ou cirúrgica para restabelecimento da higidez.
Ocorre que, muitas vezes, no intuito de cuidar da saúde, com foco na recuperação do doente, o profissional descuida da obrigação de prestar as informações adequadas, completas e imprescindíveis à tomada de decisão consciente pelo paciente em respeito à sua autonomia – contexto no qual se faz imprescindível o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE).
O dever de informação está previsto não apenas no art. 22 do Código de Ética Médica, mas também em lei, no art. 6° do Código de Defesa do Consumidor, no capítulo específico dos Direitos do Consumidor. Nesse sentido, o profissional de saúde deve esclarecer ao paciente sobre o diagnóstico, plano terapêutico proposto, benefícios, reações adversas, efeitos colaterais, riscos de falha e consequências para que o paciente possa decidir se adere ou não à proposta.
O exercício da autonomia pelo paciente decorre dos direitos de personalidade previstos no Código Civil e que, por suas características e particularidades, não podem sofrer limitação voluntária. Especificamente quanto à assistência à saúde, a legislação prevê que ninguém poderá ser constrangido a submeter-se, com risco de vida, a tratamento médico ou intervenção cirúrgica.
O direito à informação é tão importante que, diante de um agravo, mesmo não tendo sido identificado qualquer erro ou falha na prestação do serviço de saúde, a ausência de informações sobre os riscos de potenciais danos, ainda que inerentes ao procedimento, gera o dever de indenizar por falha no dever de informar.Nesse sentido, o cumprimento do dever de informação por profissionais da saúde garante que o paciente esteja plenamente consciente do tratamento que está recebendo, ao mesmo tempo em que resguarda o profissional em caso de eventuais danos.
Por isso, se você é gestor de serviço de saúde ou profissional assistente e não sabe como garantir que o devido direito de informação e assistência à saúde seja cumprido ou como elaborar um Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE), siga conosco!
Como realizar a adequada informação do paciente?
A informação deve ser contemplar todo o processo, riscos e benefícios do tratamento indicado, de maneira clara e em linguagem que possa ser compreendida pelo paciente. Recomenda-se que o profissional faça constar do prontuário do paciente a transmissão das informações e esclarecimentos prestados ao paciente, não havendo inclusive, impedimento que o paciente aponha o ciente no prontuário.
Lembre-se: o prontuário é um documento que pertence ao paciente, sendo a guarda e conservação de responsabilidade do serviço de saúde, que deve disponibilizar cópia sempre que o paciente ou seu representante legal solicitar.
Além das informações prestadas pelo profissional no momento da consulta, a elaboração de um Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) é fortemente recomendado, por se tratar de um documento formal de alto valor probatório, caso necessário.
Os profissionais e serviços de saúde devem estar atentos no momento de elaboração do TCLE, lembrando que se trata de uma peça informacional e não defensiva (ainda que possa ser usado em eventual defesa). Portanto, a sua finalidade não pode abranger e isentar o profissional ou transferir ao paciente eventual responsabilidade por dano ou efeito adverso decorrente do tratamento/procedimento durante a assistência à saúde.
Quando deve ser prestada a informação ao paciente?
O dever de informação é um processo contínuo. Inicia-se no primeiro atendimento, e prolonga-se até o término do tratamento. A todo momento é recomendável perguntar e confirmar se o paciente está ciente do que está sendo feito, se compreende os riscos e benefícios.
Recomenda-se, ainda, que o paciente possa levar o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido para que possa ler com calma e elencar as eventuais dúvidas antes da assinatura.
Ao receber o documento assinado, é importante perguntar se o paciente compreendeu bem o que foi informado, se tem alguma dúvida e, assim, certificar-se de que o processo informacional está devidamente implementado e o direito do paciente resguardado.
É importante não esquecer que mesmo tratamentos de menor complexidade oferecem riscos ao paciente e não dispensam a adequada informação.
Após a prestação do serviço, repassar as orientações de cuidados pós procedimento, como por exemplo, repouso e não exposição ao sol, ou no curso do tratamento, como por exemplo, potenciais efeitos adversos no uso de medicamentos ou pós vacina, indicando-se as condutas a serem adotadas pelos pacientes caso ocorram.
Como elaborar um Termo de Consentimento Livre e Esclarecido?
O TCLE deve ser estruturado com:
- identificação do paciente e do serviço / profissional responsável;
- descrição do procedimento a ser realizado;
- finalidade;
- benefícios;
- riscos; e
- local, data e assinatura do paciente.
Na medida do possível, termos técnicos devem ser evitados. Mas se estes forem necessários, é indicado promover a adequada explicação do que seja para que o paciente possa compreender o que significa.
Importante constar a observação de que o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido pode ser revogado pelo paciente ou seu responsável legal a qualquer tempo.
Recomenda-se que sejam elaborados modelos de TCLE compatíveis com níveis de escolaridade distintos. Por exemplo, um paciente com escolaridade de nível fundamental pode não ter o mesmo grau de compreensão que um paciente de escolaridade de nível superior.
Há estudos publicados que indicam que podem ocorrer casos em que os pacientes têm vergonha de perguntar sobre expressões constantes do TCLE e muitas vezes o assinam sem esclarecer as dúvidas. Por isso, reforçamos a necessidade de sempre conferir se o paciente realmente compreendeu o que será feito ou está sendo proposto.
Ademais, os processos de doença deixam o paciente e família fragilizados e, nesse estado, podem sofrer algumas limitações no processo de compreensão.
Não devem ser usados termos de consentimento genéricos. Deve haver um documento para cada procedimento.
Por fim, destacamos que a simples assinatura do paciente no documento entregue pelo profissional ou serviço de saúde não é prova de ter sido garantido o direito à informação do paciente. Inclusive, existem inúmeros julgados que reconheceram o direito à indenização por falha no dever de informar mesmo existindo o TCLE assinado.
O importante é o paciente aderir ao tratamento após estar seguro dos riscos e benefícios e assim consentir livremente e que isso sempre conste do prontuário, que é a melhor prova. Por isso, lembramos que o processo contínuo de prestação de informações e conferência da compreensão do paciente serve como reforço à relação profissional-paciente, favorecida pela confiança e transparência na comunicação.
Esta etapa não pode ser negligenciada pois, além de atender ao melhor interesse do paciente, é a melhor forma dos profissionais da saúde se resguardarem. Isso porque pacientes e familiares que percebem o cuidado da equipe em mantê-los informados certamente têm menos chances de entrar com processos em caso de eventuais danos – por estarem psicológica e tecnicamente mais bem amparados.
O TCLE pode ser dispensado?
Sim! Em situações de emergência, com risco iminente de morte e/ou não sendo possível obter o consentimento, o médico e demais integrantes da equipe assistencial priorizará a vida do paciente.
Nesses casos, o dever de informação será prestado após cessada a condição de emergência e no curso da assistência.
Conclusão
O foco da assistência à saúde é o paciente, sendo ele o destinatário final dos serviços oferecidos e a quem deve ser garantida a melhor assistência e cuidado.
Lado outro, a assistência de saúde, por regra, é obrigação de meio, ou seja, não se exige o resultado “cura”, devendo o profissional diligenciar para que sejam empregadas as melhores técnicas, ainda que objetivem garantir, tão somente, o conforto e qualidade de vida do paciente.
A assistência de saúde é uma categoria de serviços sui generis, que envolve a expectativa, medo, ansiedade e tristeza, portanto, é necessário especial sensibilidade e cuidado na abordagem do paciente e família.
O diálogo é a principal ferramenta de cuidado. É por ele que a relação profissional-paciente se implementa e a confiança se estabelece.
Por ser uma comprovação do diálogo e, de certo modo, a própria extensão dele, o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido deve ser elaborado de forma específica em relação ao tratamento e compreensível ao paciente – devendo a continuidade da informação sempre constar do prontuário médico.
Precisa de ajuda para elaborar um Termo de Consentimento Livre e Esclarecido? Entre em contato conosco!
Isis de Carvalho
Isis de Carvalho é advogada com formação complementar em Gestão de Saúde. Experiência na área de assessoria e consultoria em processos de saúde nos níveis assistenciais e gerenciais. Pós Graduanda em Direito Médico e Biodireito pela PUC-Minas. Assessoria e consultoria para prestadores de serviços de saúde nos segmentos ambulatoriais e hospitalares. Atuação em defesas administrativas e judiciais em demandas de saúde e de natureza ético-deontológica. Direito de Família e Sucessões.